Fonte: Rare Hystorical Photos |
Na imagem acima, vemos o aparelho conhecido como "pulmão de aço", criado em 1950, utilizado largamente no tratamento de pacientes com poliomielite. O pulmão de aço funcionava com pressão negativa, forçando o tórax a expandir, e assim fazendo o ar adentrar os pulmões. Desde então, os ventiladores mecânicos evoluíram muito, passando a trabalhar com pressão positiva, permitindo o controle e monitorização de uma série de variáveis.
Fonte: Sociedade brasileira de anestesiologia |
Definição
A ventilação mecânica (VM) ou, como seria mais adequado chamarmos, o suporte ventilatório, consiste em um método de suporte para o tratamento de pacientes com insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada.
Objetivos
- Manutenção das trocas gasosas;
- Correção de hipoxemia e acidose respiratória associada à hipercapnia;
- Aliviar o trabalho da musculatura respiratória, revertendo ou evitando sua fadiga;
- Diminuir o consumo de O²;
- Reduzir o desconforto respiratório;
- Permitir a aplicação de terapêuticas específicas;
Indicações
- Reanimação devido a parada cardiorrespiratória;
- Hipoventilação e apnéia: A elevação na PaCO2 (com acidose respiratória) indica que está ocorrendo hipoventilação alveolar, seja de forma aguda, como em pacientes com lesões no centro respiratório, intoxicação ou abuso de drogas e na embolia pulmonar, ou crônica nos pacientes portadores de doenças com limitação crônica ao fluxo aéreo em fase de agudização e na obesidade mórbida;
- Insuficiência respiratória devido a doença pulmonar intrínseca e hipoxemia. Diminuição da PaO2resultado das alterações da ventilação/perfusão (até sua expressão mais grave, o shuntintrapulmonar). A concentração de hemoglobina (Hb), o débito cardíaco (DC), o conteúdo arterial de oxigênio (CaO2) e as variações do pH sangüíneo são alguns fatores que devem ser considerados quando se avalia o estado de oxigenação arterial e sua influência na oxigenação tecidual;
- Falência mecânica do aparelho respiratório:
- Fraqueza muscular, doenças neuromusculares, paralisia;
- Comando respiratório instável (traumatismo craniano, acidente vascular cerebral, intoxicação exógena, abuso de drogas);
- Prevenção de complicações respiratórias:
- Restabelecimento no pós-operatório de cirurgia de abdome superior, torácica de grande porte, deformidade torácica, obesidade mórbida;
- Parede torácica instável;
- Redução do trabalho muscular respiratório e fadiga muscular. Um aumento no volume minuto através da elevação da f, com conseqüente diminuição no VT, é o mecanismo de adaptação transitório que se não for revertido levará à fadiga muscular devido ao aumento da demanda metabólica, aumento da resistência e/ou diminuição da complacência do sistema respiratório, fatores obstrutivos intrabrônquicos, restrição pulmonar, alteração na parede torácica, elevação da pressão intraabdominal, dor, distúrbios neuromusculares e aumento do espaço morto.
Fonte: Carvalho (2007) |
Efeito shunt e espaço morto
- Um shunt pulmonar é uma condição fisiológica que resulta quando os alvéolos do pulmão são perfundidos normalmente com sangue, mas a ventilação falha em suprir a região perfundida;
- Espaço morto: é o inverso, quando há suprimento ventilatório, mas não há perfusão sanguínea. Pode ser subdividido em:
- Espaço morto anatômico: Volume de Ar que não participa das trocas gasosas. Corresponde a vias aéreas traqueais e brônquios não respiratorios. é o gás contido nas zonas de condução do sistema respiratório, como a boca e a traquéia. Geralmente é cerca de 150 mL. Denomina-se espaço morto anatômico, pois esta é uma situação normal e verdadeiramente fisiológica no sentido literal da palavra;
- Espaço morto fisiológico: é igual ao espaço morto anatômico somado ao espaço morto alveolar. Temos a concepção do espaço morto fisiológico em condições patológicas, ou seja quando houver uma destruição ou alteração das estruturas funcionais que permitem as trocas gasosas na distância após o espaço morto anatômico até os alvéolos, ou seja no espaço da via aérea onde ocorrem trocas gasosas (hematose). O Enfisema é um exemplo de condição patológica que leva ao aumento do espaço morto, desta forma se forma o espaço morto fisiológico.
Classificação
- Ventilação mecânica invasiva;
- Ventilação mecânica não invasiva;
Em ambas as modalidades, a ventilação é obtida por meio de aplicação de pressão positiva nas vias aéreas. A diferença é a interface. Na ventilação invasiva utiliza-se uma prótese introduzida na via aérea, um tubo orotraqueal ou nasotraqueal (este é menos comum), ou ainda, uma cânula de traqueostomia. Na ventilação não invasiva, utiliza-se uma máscara como interface entre o paciente e o ventilador artificial.
Ciclo respiratório
Fonte: Carvalho (2007) |
- Fase 1: Inspiração;
- Fase 2: Mudança de fase inspiratória para expiratória (ciclagem);
- Fase 3: Expiração;
- Fase 4: Mudança de fase expiratória para inspiratória (disparo ou trigger).
Curvas de pressão
Fonte: Carvalho (2007) |
Fonte: Carvalho (2007) |
Curvas de fluxo
Na figura abaixo, é apresentado o exemplo de uma onda de fluxo quadrada (fluxo constante) no modo volume controlado. Apresenta-se, ainda, a característica da onda de fluxo na ventilação espontânea sem o uso de suporte ventilatório.Fonte: Carvalho (2007) |
Fonte: Carvalho (2007) |
Curvas de fluxo, pressão e volume em função do tempo
Individualmente, as curvas de fluxo, pressão e volume são importantes, porém podemos utilizar e completar melhor as curvas quando estão associadas. Na figura abaixo, são mostradas as três formas de curvas em associação, durante a ventilação controlada, assistida e espontânea.Clique na imagem para ver em tamanho maior. Fonte: Carvalho (2007) |
Modalidades convencionais
- Ventilação controlada (CMV);
- Indicada para pacientes que não tem drive respiratório: traumatismo raquimedular, depressão do sistema nervoso central (SNC) por drogas, bloqueio neuromuscular; apnéia por disfunção ou depressão do SNC, instabilidade torácica, baixos níveis de PaCO², traumatismo cranioencefálico, reduzir consumo de O² pelos músculos.
- Ventilação assistido-controlada (A/CMV);
- No modo assistido-controlado, o ventilador “percebe” o esforço inspiratório do paciente e “responde” oferecendo um volume corrente determinado.
- Ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV);
- O ventilador oferece ciclos mandatórios, porém permite que ciclos espontâneos ocorram entre eles.
- CPAP;
- O ventilador disponibiliza apenas ciclos espontâneos;
- O modo CPAP é caracterizado pela manutenção de pressão positiva constante nas vias aéreas;
- Pressão de suporte (PSV);
- Suporte ventilatório parcial;
- Ciclada a fluxo;
- Pressão inspiratória constante;
- O tempo inspiratório e a frequência respiratória dependem do paciente;
- Fluxo respiratório e volume corrente dependem da interação paciente-ventilador;
- Método para desmame
Mais informações, assista ao vídeo:
Resumo do vídeo:
Modos ventilatórios
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|||
Controlado
|
Assistido
|
Espontâneo
|
|
Disparo
|
Ventilador
mecânico
|
Paciente
|
Paciente
|
Limite
|
Ventilador
mecânico
|
Ventilador
mecânico
|
Ventilador
mecânico
|
Ciclagem
|
Ventilador
mecânico
|
Ventilador
mecânico
|
Paciente
|
Modalidades ventilatórias
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Modalidade
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Modo
|
Disparo
|
Limite
|
Ciclagem
|
VCV
|
Controlado
|
Tempo
|
Fluxo
|
Volume
|
Assistido
|
Pressão,
fluxo
|
Fluxo
|
Volume
|
|
PCV
|
Controlado
|
Tempo
|
Pressão
|
Tempo
|
Assistido
|
Pressão,
fluxo
|
Pressão
|
Tempo
|
|
PSV
|
Espontâneo
|
Pressão,
fluxo
|
Pressão
|
Fluxo
|
- VCV: Ventilação com volume controlado;
- PCV: Ventilação com pressão controlada;
- PSV: Ventilação com suporte de pressão.
Qual a função do Cuff?
No tubo endotraqueal, como o da imagem acima, e também na cânula de traqueostomia, existe um balonete chamado de "cuff", que é inflado após a intubação e desinflado antes da extubação. Ele tem como função principal a vedação da via aérea, impedindo que o ar passe ao redor do tubo. Também é importante para a estabilização do tubo, impedindo que ele se movimente e machuque o paciente. O cuff também pode servir, em alguns casos, para evitar que secreções como a saliva desçam até o pulmão do paciente, acumulando-se ao redor do tubo.
Parâmetros e ajustes iniciais na VMI
Parâmetro
|
Ajuste Inicial
|
Modo
ventilatório
|
Volume
controlado
|
PEEP
|
5 cmH²O
|
FiO2
|
100%
|
Volume
minuto
|
8 a 10
L/min
|
Frequência
respiratória
|
12 a 14
|
Volume
corrente
|
8 a 10
ml/kg peso ideal
|
Fluxo
inspiratório
|
40 a 60
L/min
|
Onda de
fluxo
|
Desacelerada
|
Relação
I:E
|
1:2
|
Sensibilidade
|
-2cmH²O
ou 1 a 5 L/min
|
PEEP
Do inglês, Positive End Expiratory Pressure (pressão positiva no final da expiração). É obtida mantendo-se uma pressão residual durante a fase expiratória.
Efeitos pulmonares:
- Aumento da capacidade residual funcional;
- Redistribuição do líquido extravascular alveolar;
- Alteração do volume de fechamento;
- Recrutamento alveolar.
Efeitos cardiovasculares:
- Diminuição do débito cardíaco;
- Aumento da pressão intratorácica;
- Diminuição do retorno venoso;
- Diminuição da pré-carga dos ventrículos;
- Disfunção do ventrículo direito;
- Disfunção biventricular;
- Diminuição do volume sistólico do ventrículo esquerdo;
- Diminuição da pressão sistólica.
Indicações:
- Pacientes que necessitam FiO² > 0,5 para manter PO² adequada;
- Shunt intrapulmonar;
- Redução da capacidade residual funcional;
- Intubação.
A PEEP fisiológica é de 3 a 5 cmH²O.
Ajuste de parâmetros
Ventilação mecânica não invasiva (VNI)
Fonte: CRUZ, 2013 |
CPAP: Do inglês Continuous Positive Airway Pressure (pressão positiva constante nas vias aéreas), ventilação espontânea. Indicações:
- Edema agudo de pulmão cardiogênico;
- Pós operatório de cirurgia abdominal;
- Apnéia do sono leve ou moderada.
BILEVEL (ou BPAP): dois níveis de pressão (um nível inspiratório: IPAP, e um nível expiratório: EPAP), ciclagem a fluxo. Indicações:
- Hipercapnias agudas;
- Descanso da musculatura respiratória;
- Edema agudo depulmão cardiogênico;
- Infecções de imunossuprimidos.
Contraindicações absolutas à VNI (sempre evitar):
- Necessidade de intubação de emergência;
- Parada cardiorrespirtória;
Contraindicações relativas à VNI (analisar risco X benefício, caso a caso):
- Incapacidade de cooperar, proteger as vias aéreas, ou secreções abundantes;
- Rebaixamento de nível de consciência;
- Falências orgânicas não respiratórias (encafalopatias, arritmias malignas, ou hemorragias digestivas graves com instabilidade hemodinâmica);
- Cirurgia facial ou neurológica;
- Trauma ou deformidade facial;
- Alto risco de aspiração;
- Vias aéreas superiores obstruidas;
- Anastomose de esôfago recente.
Interfaces mais utilizadas na prática clínica. A: Máscara orofacial; B: Máscara nasal; C: Máscara total (full face). Fonte: http://www.healthcare.philips.com |
VNI no desmame da ventilação mecânica
Fatores de risco para falência respiratória:
- Hipercapnia após extubação (>45mmHg);
- Insuficiência cardíaca;
- Tosse ineficaz;
- Secreção traqueobrônquica excessiva;
- Mais de uma falência consecutiva no desmame;
- Vias aéreas superiores obstruídas;
- Idade maior que 65 anos;
- Falência cardíaca como causa da intubação;
- APACHE > 12 no dia da extubação;
- Pacientes com mais de 72h de ventilação mecânica.
Critérios de falência no desmame da VNI
Cuidados com a interface da VNI (prevenção de lesões na pele):
- Rodízio com outros tipos de interface;
- Ajuste adequado;
- Higiene da pele e máscara;
- Protetor nasal;
- Almofada para apoio da testa;
- Almofada entre a máscara e o rosto do paciente;
- Barreira com fita protetora.
Considerações para seleção do ventilador de VNI:
- Compensação de vazamentos;
- Disparo e ciclo sincronizados com o padrão respiratório do paciente;
- Reinalação;
- FiO² (cuidado agudo);
- Monitoramento;
- Alarmes;
- Portabilidade (tamanho, peso, bateria);
- Bloqueio de ajustes;
- Custo.
Referências
- BARBAS, C. S. V., ÍSOLA, A. M., FARIAS, A. M. C.; Diretrizes brasileiras de ventilação mecânica - 2013; Associação de medicina intensiva brasileira; Versão eletrônica oficial; disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/237544/mod_resource/content/1/Consenso%20VM%202013.pdf; acesso em: 16 de Março de 2019;
- BARRETO, M. S. S., VIEIRA S.S., PINHEIRO, C.T.S.; Introdução a Ventilação Mecânica. In: Rotinas em Terapia Intensiva. 3ed. Porto Alegre: Artmed; 2001.
- CARVALHO, C. R. R., JUNIOR, C. T., FRANCA, S. A.; III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica; J Bras Pneumol. 2007;33(Supl 2):S 54-S 70;
- CARVALHO, C. R. R., JUNIOR, C. T., FRANCA, S. A.; Ventilação mecânica: princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias; J. bras. pneumol. vol.33 suppl.2 São Paulo July 2007;
- CRUZ, M. R., ZAMORA, V. E. C.; Ventilação mecânica não invasiva; Vol. 12, N. 3, Jul/Set 2013;
- DIAS, P. F. F.; Fisiopatologia respiratória; disponível em: http://www.sogab.com.br/fisiopatologiarespiratoria.pdf; acesso em: 17 de Março de 2019;
- FERREYRA, G., FANELLI, V., DEL SORBO, L., RANIERI, V. M.; Are guidelines for non-invasive ventilation during weaning still valid?; Minerva Anestesiol. 2011 Sep;77(9):921-6;
- HESS, D. R.; The growing role of noninvasive ventilation in patients requiring prolonged mechanical ventilation; Respir Care 2012;57(6);