domingo, 17 de março de 2019

Ventilação mecânica invasiva e não invasiva

Fonte: Rare Hystorical Photos
Na imagem acima, vemos o aparelho conhecido como "pulmão de aço", criado em 1950, utilizado largamente no tratamento de pacientes com poliomielite. O pulmão de aço funcionava com pressão negativa, forçando o tórax a expandir, e assim fazendo o ar adentrar os pulmões. Desde então, os ventiladores mecânicos evoluíram muito, passando a trabalhar com pressão positiva, permitindo o controle e monitorização de uma série de variáveis. 


Fonte: Sociedade brasileira de anestesiologia

Definição

A ventilação mecânica (VM) ou, como seria mais adequado chamarmos, o suporte ventilatório, consiste em um método de suporte para o tratamento de pacientes com insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada.

Objetivos

  • Manutenção das trocas gasosas;
  • Correção de hipoxemia e acidose respiratória associada à hipercapnia;
  • Aliviar o trabalho da musculatura respiratória, revertendo ou evitando sua fadiga;
  • Diminuir o consumo de O²;
  • Reduzir o desconforto respiratório;
  • Permitir a aplicação de terapêuticas específicas;

Indicações

  • Reanimação devido a parada cardiorrespiratória;
  • Hipoventilação e apnéia: A elevação na PaCO2 (com acidose respiratória) indica que está ocorrendo hipoventilação alveolar, seja de forma aguda, como em pacientes com lesões no centro respiratório, intoxicação ou abuso de drogas e na embolia pulmonar, ou crônica nos pacientes portadores de doenças com limitação crônica ao fluxo aéreo em fase de agudização e na obesidade mórbida;
  • Insuficiência respiratória devido a doença pulmonar intrínseca e hipoxemia. Diminuição da PaO2resultado das alterações da ventilação/perfusão (até sua expressão mais grave, o shuntintrapulmonar). A concentração de hemoglobina (Hb), o débito cardíaco (DC), o conteúdo arterial de oxigênio (CaO2) e as variações do pH sangüíneo são alguns fatores que devem ser considerados quando se avalia o estado de oxigenação arterial e sua influência na oxigenação tecidual;
  • Falência mecânica do aparelho respiratório:
    • Fraqueza muscular, doenças neuromusculares, paralisia;
    • Comando respiratório instável (traumatismo craniano, acidente vascular cerebral, intoxicação exógena, abuso de drogas);
  • Prevenção de complicações respiratórias:
    • Restabelecimento no pós-operatório de cirurgia de abdome superior, torácica de grande porte, deformidade torácica, obesidade mórbida;
    • Parede torácica instável;
  • Redução do trabalho muscular respiratório e fadiga muscular. Um aumento no volume minuto através da elevação da f, com conseqüente diminuição no VT, é o mecanismo de adaptação transitório que se não for revertido levará à fadiga muscular devido ao aumento da demanda metabólica, aumento da resistência e/ou diminuição da complacência do sistema respiratório, fatores obstrutivos intrabrônquicos, restrição pulmonar, alteração na parede torácica, elevação da pressão intraabdominal, dor, distúrbios neuromusculares e aumento do espaço morto.

Fonte: Carvalho (2007)


Efeito shunt e espaço morto

  • Um shunt pulmonar é uma condição fisiológica que resulta quando os alvéolos do pulmão são perfundidos normalmente com sangue, mas a ventilação falha em suprir a região perfundida;
  • Espaço morto: é o inverso, quando há suprimento ventilatório, mas não há perfusão sanguínea. Pode ser subdividido em:
    • Espaço morto anatômico: Volume de Ar que não participa das trocas gasosas. Corresponde a vias aéreas traqueais e brônquios não respiratorios. é o gás contido nas zonas de condução do sistema respiratório, como a boca e a traquéia. Geralmente é cerca de 150 mL. Denomina-se espaço morto anatômico, pois esta é uma situação normal e verdadeiramente fisiológica no sentido literal da palavra;
    • Espaço morto fisiológico: é igual ao espaço morto anatômico somado ao espaço morto alveolar. Temos a concepção do espaço morto fisiológico em condições patológicas, ou seja quando houver uma destruição ou alteração das estruturas funcionais que permitem as trocas gasosas na distância após o espaço morto anatômico até os alvéolos, ou seja no espaço da via aérea onde ocorrem trocas gasosas (hematose). O Enfisema é um exemplo de condição patológica que leva ao aumento do espaço morto, desta forma se forma o espaço morto fisiológico. 

Classificação

  • Ventilação mecânica invasiva;
  • Ventilação mecânica não invasiva;
Em ambas as modalidades, a ventilação é obtida por meio de aplicação de pressão positiva nas vias aéreas. A diferença é a interface. Na ventilação invasiva utiliza-se uma prótese introduzida na via aérea, um tubo orotraqueal ou nasotraqueal (este é menos comum), ou ainda, uma cânula de traqueostomia. Na ventilação não invasiva, utiliza-se uma máscara como interface entre o paciente e o ventilador artificial.

Ciclo respiratório

Fonte: Carvalho (2007)

  • Fase 1: Inspiração;
  • Fase 2: Mudança de fase inspiratória para expiratória (ciclagem);
  • Fase 3: Expiração;
  • Fase 4: Mudança de fase expiratória para inspiratória (disparo ou trigger).

Curvas de pressão

Fonte: Carvalho (2007)

Durante a ventilação espontânea, na inspiração, devido à contração da musculatura respiratória, ocorre uma queda da pressão nos alvéolos/vias aéreas para que seja gerado o fluxo inspiratório. Na ventilação assistida e em modos espontâneos como a Pressão de Suporte, a contração da musculatura vai depender da demanda metabólica do paciente (controle neural – drive), vai proporcionar a queda de pressão no circuito e, de acordo com a sensibilidade ajustada, promover a abertura da válvula (disparo) gerando um pico de fluxo inspiratório, aumentando progressivamente a pressão no sistema respiratório do paciente. Na expiração, ao contrário, como a pressão no sistema está elevada, a abertura da válvula expiratória promoverá a saída passiva do VT.

Fonte: Carvalho (2007)

Curvas de fluxo

Na figura abaixo, é apresentado o exemplo de uma onda de fluxo quadrada (fluxo constante) no modo volume controlado. Apresenta-se, ainda, a característica da onda de fluxo na ventilação espontânea sem o uso de suporte ventilatório.
Fonte: Carvalho (2007)

A forma da onda de fluxo pode ser modificada no ventilador diretamente ou indiretamente conforme o modo ventilatório escolhido. Abaixo, alguns exemplos de curva de fluxo.

Fonte: Carvalho (2007)

Curvas de fluxo, pressão e volume em função do tempo

Individualmente, as curvas de fluxo, pressão e volume são importantes, porém podemos utilizar e completar melhor as curvas quando estão associadas. Na figura abaixo, são mostradas as três formas de curvas em associação, durante a ventilação controlada, assistida e espontânea.

Clique na imagem para ver em tamanho maior. Fonte: Carvalho (2007)


Modalidades convencionais

  • Ventilação controlada (CMV);
    • Indicada para pacientes que não tem drive respiratório: traumatismo raquimedular, depressão do sistema nervoso central (SNC) por drogas, bloqueio neuromuscular; apnéia por disfunção ou depressão do SNC, instabilidade torácica, baixos níveis de PaCO², traumatismo cranioencefálico, reduzir consumo de O² pelos músculos.
  • Ventilação assistido-controlada (A/CMV);
    • No modo assistido-controlado, o ventilador “percebe” o esforço inspiratório do paciente e “responde” oferecendo um volume corrente determinado.
  • Ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV);
    • O ventilador oferece ciclos mandatórios, porém permite que ciclos espontâneos ocorram entre eles. 
  • CPAP;
    • O ventilador disponibiliza apenas ciclos espontâneos;
    • O modo CPAP é caracterizado pela manutenção de pressão positiva constante nas vias aéreas;
  • Pressão de suporte (PSV);
    • Suporte ventilatório parcial;
    • Ciclada a fluxo;
    • Pressão inspiratória constante;
    • O tempo inspiratório e a frequência respiratória dependem do paciente;
    • Fluxo respiratório e volume corrente dependem da interação paciente-ventilador;
    • Método para desmame

Mais informações, assista ao vídeo:



Resumo do vídeo: 

Modos ventilatórios

Controlado
Assistido
Espontâneo
Disparo
Ventilador mecânico
Paciente
Paciente
Limite
Ventilador mecânico
Ventilador mecânico
Ventilador mecânico
Ciclagem
Ventilador mecânico
Ventilador mecânico
Paciente

Modalidades ventilatórias
Modalidade
Modo
Disparo
Limite
Ciclagem
VCV
Controlado
Tempo
Fluxo
Volume
Assistido
Pressão, fluxo
Fluxo
Volume
PCV
Controlado
Tempo
Pressão
Tempo
Assistido
Pressão, fluxo
Pressão
Tempo
PSV
Espontâneo
Pressão, fluxo
Pressão
Fluxo


  • VCV: Ventilação com volume controlado;
  • PCV: Ventilação com pressão controlada;
  • PSV: Ventilação com suporte de pressão.

Tubo endotraqueal



Qual a função do Cuff?

No tubo endotraqueal, como o da imagem acima, e também na cânula de traqueostomia, existe um balonete chamado de "cuff", que é inflado após a intubação e desinflado antes da extubação. Ele tem como função principal a vedação da via aérea, impedindo que o ar passe ao redor do tubo. Também é importante para a estabilização do tubo, impedindo que ele se movimente e machuque o paciente. O cuff também pode servir, em alguns casos, para evitar que secreções como a saliva desçam até o pulmão do paciente, acumulando-se ao redor do tubo.

Parâmetros e ajustes iniciais na VMI

Parâmetro
Ajuste Inicial
Modo ventilatório
Volume controlado
PEEP
5 cmH²O
FiO2
100%
Volume minuto
8 a 10 L/min
Frequência respiratória
12 a 14
Volume corrente
8 a 10 ml/kg peso ideal
Fluxo inspiratório
40 a 60 L/min
Onda de fluxo
Desacelerada
Relação I:E
1:2
Sensibilidade
-2cmH²O ou 1 a 5 L/min


PEEP

Do inglês, Positive End Expiratory Pressure (pressão positiva no final da expiração). É obtida mantendo-se uma pressão residual durante a fase expiratória.

Efeitos pulmonares:
  • Aumento da capacidade residual funcional;
  • Redistribuição do líquido extravascular alveolar;
  • Alteração do volume de fechamento;
  • Recrutamento alveolar.
Efeitos cardiovasculares:
  • Diminuição do débito cardíaco;
  • Aumento da pressão intratorácica;
  • Diminuição do retorno venoso;
  • Diminuição da pré-carga dos ventrículos;
  • Disfunção do ventrículo direito;
  • Disfunção biventricular;
  • Diminuição do volume sistólico do ventrículo esquerdo;
  • Diminuição da pressão sistólica.
Indicações:
  • Pacientes que necessitam FiO² > 0,5 para manter PO² adequada;
  • Shunt intrapulmonar;
  • Redução da capacidade residual funcional;
  • Intubação.
A PEEP fisiológica é de 3 a 5 cmH²O.

Ajuste de parâmetros



Ventilação mecânica não invasiva (VNI)

Fonte: CRUZ, 2013

CPAP: Do inglês Continuous Positive Airway Pressure (pressão positiva constante nas vias aéreas), ventilação espontânea. Indicações:
  • Edema agudo de pulmão cardiogênico;
  • Pós operatório de cirurgia abdominal;
  • Apnéia do sono leve ou moderada.
BILEVEL (ou BPAP): dois níveis de pressão (um nível inspiratório: IPAP, e um nível expiratório: EPAP), ciclagem a fluxo. Indicações:
  • Hipercapnias agudas;
  • Descanso da musculatura respiratória;
  • Edema agudo depulmão cardiogênico;
  • Infecções de imunossuprimidos.
Contraindicações absolutas à VNI (sempre evitar):

  • Necessidade de intubação de emergência;
  • Parada cardiorrespirtória;
Contraindicações relativas à VNI (analisar risco X benefício, caso a caso):
  • Incapacidade de cooperar, proteger as vias aéreas, ou secreções abundantes;
  • Rebaixamento de nível de consciência;
  • Falências orgânicas não respiratórias (encafalopatias, arritmias malignas, ou hemorragias digestivas graves com instabilidade hemodinâmica);
  • Cirurgia facial ou neurológica;
  • Trauma ou deformidade facial;
  • Alto risco de aspiração;
  • Vias aéreas superiores obstruidas;
  • Anastomose de esôfago recente.

Interfaces mais utilizadas na prática clínica. A: Máscara orofacial; B: Máscara nasal; C: Máscara total (full face). Fonte: http://www.healthcare.philips.com


VNI no desmame da ventilação mecânica

Fatores de risco para falência respiratória:
  • Hipercapnia após extubação (>45mmHg);
  • Insuficiência cardíaca;
  • Tosse ineficaz;
  • Secreção traqueobrônquica excessiva;
  • Mais de uma falência consecutiva no desmame;
  • Vias aéreas superiores obstruídas;
  • Idade maior que 65 anos;
  • Falência cardíaca como causa da intubação;
  • APACHE > 12 no dia da extubação;
  • Pacientes com mais de 72h de ventilação mecânica.


Critérios de falência no desmame da VNI


Cuidados com a interface da VNI (prevenção de lesões na pele):
  • Rodízio com outros tipos de interface;
  • Ajuste adequado;
  • Higiene da pele e máscara;
  • Protetor nasal;
  • Almofada para apoio da testa;
  • Almofada entre a máscara e o rosto do paciente;
  • Barreira com fita protetora.
Considerações para seleção do ventilador de VNI:
  • Compensação de vazamentos;
  • Disparo e ciclo sincronizados com o padrão respiratório do paciente;
  • Reinalação;
  • FiO² (cuidado agudo);
  • Monitoramento;
  • Alarmes;
  • Portabilidade (tamanho, peso, bateria);
  • Bloqueio de ajustes;
  • Custo.

Referências

  • BARBAS, C. S. V., ÍSOLA, A. M., FARIAS, A. M. C.; Diretrizes brasileiras de ventilação mecânica - 2013; Associação de medicina intensiva brasileira; Versão eletrônica oficial; disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/237544/mod_resource/content/1/Consenso%20VM%202013.pdf; acesso em: 16 de Março de 2019;
  • BARRETO, M. S. S., VIEIRA S.S., PINHEIRO, C.T.S.; Introdução a Ventilação Mecânica. In: Rotinas em Terapia Intensiva. 3ed. Porto Alegre: Artmed; 2001.
  • CARVALHO, C. R. R., JUNIOR, C. T., FRANCA, S. A.; III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica; J Bras Pneumol. 2007;33(Supl 2):S 54-S 70;
  • CARVALHO, C. R. R., JUNIOR, C. T., FRANCA, S. A.; Ventilação mecânica: princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias; J. bras. pneumol. vol.33 suppl.2 São Paulo July 2007;
  • CRUZ, M. R., ZAMORA, V. E. C.; Ventilação mecânica não invasivaVol. 12, N.  3, Jul/Set 2013;
  • DIAS, P. F. F.; Fisiopatologia respiratória; disponível em: http://www.sogab.com.br/fisiopatologiarespiratoria.pdf; acesso em: 17 de Março de 2019;
  • FERREYRA, G., FANELLI, V., DEL SORBO, L., RANIERI, V. M.; Are guidelines for non-invasive ventilation during weaning still valid?Minerva Anestesiol. 2011 Sep;77(9):921-6;
  • HESS, D. R.; The growing role of noninvasive ventilation in patients requiring prolonged mechanical ventilation; Respir Care 2012;57(6);
Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário:

Postar um comentário