sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Hérnia de disco

Um dos agravos de saúde mais prevalentes no mundo é a famosa dor nas costas. Segundo Furtado, et. al (2014), ela pode afetar até 80% da população em algum período da vida, e onera os sistemas de saúde e de previdência em termos de diagnóstico, tratamento, absenteísmo e aposentadorias prematuras. Ela afeta a saúde, a qualidade de vida e pode chegar a incapacitar o indivíduo de trabalhar ou praticar esportes. Existem diversas causas para a dor nas costas, e neste artigo abordaremos uma delas: a hérnia de disco. A hérnia de disco é o diagnóstico mais comum dentre as alterações degenerativas da coluna lombar e o principal causador de cirurgias na população adulta (VIALLE, et. al, 2010).

Fonte: Doutor Hérnia
Primeiramente, o leitor precisa saber o que é o "disco". O disco intervertebral é uma fibrocartilagem do tipo sínfise, é uma espécie de "amortecedor" que é colocado entre as corpos vertebrais das vértebras cervicais, torácicas e lombares (as regiões sacral e coccígea não possuem discos intervertebrais, pois suas vértebras são fundidas). Tem como principal função absorver as forças axiais exercidas sobre a coluna. Ele é dividido em duas partes: bem no meio, existe o "núcleo pulposo", de cosistência gelatinosa semilíquida, composto por mucopolissacarídeos. A parte mais externa é o anel fibroso, uma estrutura formada por camadas de anéis cartilaginosos que têm como função manter o núcleo pulposo ao centro, e também têm a capacidade de absorção de impacto. A imagem abaixo ilustra a posição destas duas estruturas.

Disco saudável (esquerda) e disco com hérnia (direita)
Uma "hérnia" é definida como uma tumoração formada pela saída anormal de parte do tecido de um órgão, que invade os tecidos adjacentes. As consequências disto geralmente dependem do volume do tecido que foi deslocado.

A hérnia discal consiste em um deslocamento do conteúdo do núcleo pulposo, associado à uma perda da integridade do anel fibroso, que resulta em uma projeção do conteúdo central do disco para fora, invadindo o espaço dos tecidos adjacentes, podendo haver compressão de raiz nervosa, dependendo do volume do material herniado. Normalmente a herniação ocorre em sentido posterolateral. Frequentemente, a hérnia pressiona uma raiz nervosa, e gera dor irradiada para outro segmento do corpo, como a perna, é muito comum isto acontecer com o nervo ciático (que tem as raízes nervosas nos segmentos L4, L5, S1, S2 e S3) e que irá causar dor e/ou parestesia na região posterior do membro inferior.


Epidemiologia

A hérnia discal é mais comumente diagnósticada na quarta e na quinta década de vida. Estima-se que de 2 a 3% da população mundial possa ser afetada, sendo mais comum em homens.

Classificação

A hérnia discal não se resume apenas ao deslocamento do núcleo pulposo em direção aos tecidos adjacentes. Este deslocamento pode ter basicamente três níveis.
  • Protusão discal: desgaste do anel fibroso sem ruptura, levando ao deslocamento do núcleo pulposo para o exterior do disco. Pode-se dizer que a protusão discal é uma fase inicial  da hérnia de disco, porém, nem toda protusão se torna efetivamente uma hérnia. Nesta fase podem ou não haver sintomas. O diagnóstico pode ser difícil justamente pelo fato de que esta condição é muitas vezes assintomática.
  • Hérnia extrusa (extrusão discal): ruptura do anel fibroso resultando em deslocamento exterior do núcleo pulposo.Nesta fase, podem ou não haver sintomas.
  • Hérnia sequestrada: vazamento do conteúdo do interior do disco com absorção do material extravasado.

Sintomas 

Os sintomas da hérnia discal são variáveis, e dependem do local da hérnia, do volume de tecido herniado e de fatores psicossomáticos.
  • Dor: o local da dor dependerá de onde está localizada a hérnia. Prioritariamente, a dor inicia-se na coluna, e pode irradiar para os membros, de forma unilateral ou bilateral. Se for na cervical, o paciente sentirá dor nos membros superiores. Se for lombar, o paciente sentirá dor nos membros inferiores. Uma dor unilateral é indicativo de compressão radicular, enquanto que uma dor bilateral indica possivelmente uma hérnia mais centralizada comprimindo a medula.
  • Parestesia: o paciente pode sentir formigamento, sensação de peso, dormência, entre outras.
  • Perda de força: se há compressão de raiz nervosa ou estenose de canal, a condução do estímulo nervoso para os músculos estará prejudicada, causando diminuição da força muscular.
  • Hiperreflexia.
  • Disfunção urinária e/ou fecal.
  • Limitação de movimentos.

 

Causas 

As causas da hérnia discal podem ser pessoais ou laborais. As causas individuais referem-se a idade (processo de envelhecimento), sexo (mais comum em homens), índice de massa corporal, desequilíbrio entre os grupos flexores e extensores da coluna, capacidade de força muscular, condições socioeconômicas, desgaste crônico do disco e presença de outras patologias associadas. Os fatores de risco laborais referem-se à ergonomia do ambiente de trabalho, às posturas adotadas no trabalho, condição de funcionamento de equipamento disponíveis, nas formas de organização e execução das atividades do trabalho, entre outros fatores (FORTES, et. al, 2013). Em um estudo realizado com caminhoneiros, foi encontrada correlação entre a presença de hérnia de disco e o número de horas diárias de trabalho (ANDRUSAITIS, OLIVEIRA, BARROS, 2006).

No estudo de Silva, et. al (2019) as comorbidades mais frequentes associadas à hérnia de disco foram a hipertensão arterial sistêmica e a osteoporose. Os autores referem que estas associações podem ser explicadas pelos fatores de risco que estas doenças têm em comum, entre eles o envelhecimento e o estilo de vida.

Para Bottamedi, et. al (2016), o sedentarismo é indicador de risco, visto que a prática de atividade física favorece o ganho de massa muscular, a flexibilidade e o condicionamento aeróbico, enquanto que o sedentarismo associado ao processo de envelhecimento favorece a perda de massa muscular e desmineralização óssea.

Alguns estudos apontam o tabagismo como possível fator de risco da hérnia discal, mas conforme apontado por Vialle, et. al (2010), estudos mais recentes apontam que há pouca diferença entre populações de fumantes e de não fumantes.

 

Tratamento

Nem todas as hérnias de disco necessitam de tratamento. Algumas são assintomáticas, e não interferem na vida do indivíduo. O tratamento depende do estágio da hérnia, dos sintomas e das individualidades do paciente, como idade, tipo de atividade laboral, entre outros. O sucesso do tratamento é variável em diferentes populações e prazos (NUNES-JUNIOR, MONNERAT, 2012).

 

Prevenção 

Manter um estilo de vida saudável, incluindo prática de exercícios físicos, alimentação balanceada e boa rotina de sono tem importante papel na prevenção da maioria das doenças, inclusive a hérnia discal. Além disso, o cuidado com a postura é essencial, nas atividades de via diária, no trabalho, na prática de exercícios, etc. 

O disco intervertebral tem como principal função o amortecimento de cargas axiais exercidas na coluna vertebral, porém, ao associar uma carga axial com uma rotação, temos o cisalhamento (torção), sendo que este vetor de força é extremamente prejudicial para o disco. Uma carga axial exagerada também leva à lesão discal. 

Fonte: Receitas na rede

Tratamento conservador

O tratamento conservador da hérnia de disco pode ser feito primeiramente com o uso de medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares, para controle dos sintomas. Na fase aguda, o repouso pode ser indicado.

Com o desenvolvimento de pesquisas na área de reabilitação, o número de recursos terapêuticos conservadores para tratamento da HD aumentou (NUNES-JUNIOR, MONNERAT, 2012). A fisioterapia tem importante papel no tratamento conservador da hérnia discal, podendo utilizar-se de diferentes técnicas, tais como: recursos termofotoeletroterapêuticos, visando também a analgesia e redução do quadro álgico, associado à cinesioterapia, com a realização de exercícios de alongamento e fortalecimento de músculos estabilizadores da coluna; de terapia manual para liberação de tecidos moles; mobilização neural; mobilização articular com base nás técnicas de Maitland e Mulligan, entre outras. O tratamento pode ser realizado, também, na fisioterapia aquática, em que os efeitos fisico-químicos da água agregam à terapêutica.

Outros métodos de tratamento conservador incluem a Escola Postural e a Terapia Cognitivo Funcional, com abordagens diferentes da fisioterapia convencional, incluem aspectos psicossomáticos, muito utilizados para tratamento de pacientes com dor crônica.

 

Tratamento cirúrgico 

O procedimento cirúrgico, em muitos casos, poderá ser outra opção terapêutica. Nos quadros de hérnias de disco de grande volume e síndrome da cauda equina, pode ocorrer compressão da medula espinhal e das raízes nervosas, com surgimento muitas vezes como urgência. As demais indicações
seriam por resposta inadequada ao tratamento conservador e episódios de dor recorrentes
(NUNES-JUNIOR, MONNERAT, 2012). Os principais procedimentos cirúrgicos são:

  • Laminectomia e excisão discal: os músculos paravertebrais são levantados da lâmina da vértebra de cada lado da lesão. A lâmina é identifcada e o ligamento amarelo é retirado. Podem ser removidas porções das lâminas superiores e inferiores. Após o afastamento da raiz nervosa, a hérnia discal é identifcada e removida.
  • Artrodese: também conhecida como anquilose artificial, é um procedimento cirúrgico realizado para aliviar dor intratável em uma articulação que não pode ser manejada com medicamentos ou outros tratamentos normalmente indicados. Mais especificamente, trata-se da fusão óssea de qualquer articulação do corpo, destituindo-a de mobilidade. Na coluna vertebral, pode ser realizada na coluna cervical, torácica, lombar e lombo-sacra. Esta técnica pode ser realizada em um ou mais níveis articulares da coluna, sendo que quanto maior for o fusionamento das vértebras, maior será o déficit de mobilidade da região artrodesada. 

Síndrome da cauda equina


Uma das possíveis consequências da hérnia discal é a síndrome da cauda equina, caracterizada pela compressão das raízes nervosas lombares, sacrais e coccígeas distais ao término do cone medular na altura das vértebras L1 e L2. Apesar de se tratar de uma doença de baixa incidência na população, girando em torno de 1 para 33000 a 1 para 100000 habitantes, suas sequelas ainda geram altos custos para a saúde pública. Os sinais clínicos característicos da patologia são: dor lombar intensa frequentemente acompanhada de ciática, anestesia em sela, disfunção esfincteriana e sexual e fraqueza de membros inferiores. Trata-se de uma urgência ortopédica e seu tratamento de eleição continua sendo a descompressão cirúrgica, que, se realizada antes de 48 horas do início dos sintomas, reduz os danos neurológicos, e melhora o prognóstico do paciente (FUSO, et. al, 2013).


Referências

  • ANDRUSAITIS, S. F., OLIVEIRA, R. P., BARROS FILHO, T. E. P.; Study of the prevalence and risk factors for low back pain in truck drivers in the state of São Paulo, Brazil; Clinics vol.61 no.6 São Paulo 2006;
  • BOTTAMEDI, X., RAMOS, J. S., ARINS, M. R., MURARA, N., WOELLNER, S. S., SOARES, A. V.; Programa de tratamento para dor lombar crônica baseado nos princípios da Estabilização Segmentar e na Escola de Coluna; Rev Bras Med Trab. 2016;14(3):206-13;
  • FURTADO, R. N. V., RIBEIRO, L. H., ABDO, B. A., DESCIO, F. J., JUNIOR, C. E. M., SERRUYA, D. C.; Dor lombar inespecífica em adultos jovens: fatores de risco associados; Rev. Bras. Reumatol.; 2014; 54(5); 371-377;
  • FUSO, F. A. F., DIAS, A. L. N., LETAIF, O. B., CRISCANTE, A. F., MARCON, R. M., FILHO, T. E. P. B.; Estudo epidemiológico da síndrome da cauda equina; Acta ortop. bras. vol.21 no.3 São Paulo Maio/Junnho 2013;
  • NUNES-JUNIOR, P. C., MONNERAT, E.; Comparação dos tratamentos conservador, cirúrgico e através da mobilização neural no tratamento da hérnia de disco lombar; Fisioterapia Brasil - Volume 13 - Número 2 - março/abril de 2012 ;
  • SILVA, G. G., ROCHA, F. C. V., MADEIRA, M. Z. A., RIBEIRO, I. P.; Perfil de pacientes com hérnia de disco em um ambulatório público; REAS; Vol. Sup.29; e 1071; 2019;
  • VIALLE, L. S., VIALLE, E. N., HENAO, J. E. S., GIRALDO, G; Hérnia discal lombar; Rev. bras. ortop. vol.45 no.1 São Paulo 2010;

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