sábado, 30 de março de 2019

Sistema respiratório: estrutura e função



O sistema respiratório é capaz de desenvolver várias funções dentro do organismo animal. A mais importante delas está relacionada às trocas gasosas em que são realizadas a oxigenação sanguínea e a liberação de gás carbônico, nos alvéolos pulmonares. Neste artigo, o foco será a função respiratória, mas vale citar as outras funções deste sistema, são elas:

  • Fonação;
  • Defecação e parto (manobra de Valsalva);
  • Ponte de ligação entre o ventrículo esquerdo e a aurícula esquerda;
  • Reservatório sanguíneo;
  • Filtro sanguíneo;
  • Termorregulação;
  • Emunctório de substâncias voláteis;
  • Linhas de defesa;
  • Circulação sanguínea;
  • Drenagem linfática;
  • Atividades metabólicas;
  • Sede de comandos nervosos reflexos;
  • Manutenção do equilíbrio ácido-base (pela regulação da PaCO2);

O Raio-X de tórax

Desenvolvimento do pulmão

Frequentemente, a viabilidade do feto é limitada pelo desenvolvimento pulmonar, pois somente após a 28ª semana é possível haver trocas gasosas adequadas. A formação do sistema pulmonar divide-se, fundamentalmente, em duas etapas: desenvolvimento e maturação.

O desenvolvimento intra-uterino divide-se em três períodos:
  1. Glandular (até 16ª semana);
  2. Canalicular (16ª - 24ª semana);
  3. Alveolar (24ª semana em diante).
A maturidade pulmonar depende de uma boa estruturação anatômica e da adequação do surfactante. O surfactante é um complexo de substâncias que cobre a superfície alveolar, consistindo principalmente de lipídeos. É produzida pelos pneumócitos do tipo II, e destina-se a manter a estabilidade dos alvéolos. O surfactante começa a ser produzido apenas na 32ª semana gestacional, atingindo concentração adequada na 36ª semana.

Após o nascimento, o número de alvéolos aumenta 10 vezes até a vida adulta. Isto ocorre principalmente nos primeiros oito anos de vida, e após esse ponto, o aumento do volume pulmonar ocorre por aumento das dimensões lineares dos alvéolos.

Conceitos básicos

  • Inspiração: momento de entrada do ar nos pulmões. Em ar ambiente, ocorre pela contração dos músculos inspiratórios, principalmente do diafragma, que torna a pressão intratorácica mais negativa do que a atmosférica, possibilitando assim a entrada de para os pulmões.
  • Expiração: momento de saída de ar dos pulmões. Processo que, em ar ambiente, é feito de forma totalmente passiva. Porém, em situações de exercício físico ou patologia, pode ocorrer de forma ativa pela contração dos músculos expiratórios.
  • Ventilação: processo de renovação do ar dentro dos pulmões, que ocorre por meio do ciclo ventilatório, composto por inspiração e expiração.
  • Respiração: do ponto de vista coloquial, a respiração é usada como sinônimo de ventilação. Porém, do ponto de vista da fisiologia, respiração é o nome do processo pelo qual um indivíduo vivo troca oxigênio (O²) e dióxido de carbono (CO²) com o ar ambiente.
  • Hematose: processo de transformação do sangue arterial em sangue venoso, por meio das trocas gasosas que ocorrem nos pulmões.

Estrutura do sistema respiratório

  • Narinas: via de entrada do ar atmosférico. Têm a função de aquecimento, filtração e umidificação deste ar. Podemos respirar pela boca, mas neste caso, estes três processos não ocorrem;
  • Coanas;
  • Seios paranasais;
  • Nasofaringe;
  • Orofaringe;
  • Laringofaringe;
  • Laringe;
  • Traquéia;
  • Lobo pulmonar;
  • Segmento broncopulmonar;
  • Lóbulo;
  • Segmentação broncopulmonar: o pulmão direito apresenta 3 lobos, e o pulmão esquerdo, apenas 2. A língula, no pulmão esquerdo, corresponde ao lobo médio do pulmão direito.
  • Hilo pulmonar: são orifícios localizados nas porções internas dos pulmões. A região do hilo localiza-se na face mediastinal de cada pulmão sendo formado pelas estruturas que chegam e saem dele, onde temos: os brônquios principais, artérias pulmonares, veias pulmonares, artérias e veias bronquiais e vasos linfáticos;
  • Brônquios: todo tubo aerífero envolvido por bainha conjuntivo-cartilaginosa. O brônquio, portanto, fica fora do parênquima pulmonar;
  • Bronquíolo: todo tubo aerífero sem cartilagem em suas paredes. Ao contrário dos brônquios, fica imerso no parênquima pulmonar;
  • Bronquíolo terminal: último brônquio que não possui alvéolos em sua parede, sendo completamente revestido por epitélio brônquico;
  • Bronquíolo respiratório: todo brônquio que possui alvéolos em suas paredes, ainda contém epitélio brônquico;
  • Ácino: é a porção de pulmão ventilada por um bronquíolo terminal. Constitui o sítio anatômico onde efetivamente se fazem as trocas gasosas do pulmão, podendo ser chamado de "unidade respiratória terminal";
  • Ductos alveolares;
  • Alvéolo e saco alveolar: invaginações saciformes, onde acontecem trocas gasosas. Cada pulmão tem, em média, 300 milhões de alvéolos, totalizando uma área interna de trocas gasosas de cerca de 80m².
  • Septo interalveolar: constituído de quatro elementos: o epitélio alveolar, o endotélio capilar, os elementos teciduais do espaço intersticial e o revestimento tensioativo (surfactante);
  • Macrófagos alveolares;
  • Poros alveolares (de Kohn) e canais de Lambert: canais intercomunicantes, vias responsáveis pela ventilação colateral;
  • Vascularização sanguínea;
  • Cadeias linfáticas do tórax;
    • Parietais;
      • Intercostais;
      • Mamárias internas;
      • Látero-vertebrais;
    • Viscerais;
      • Mediastinais;
      • Anteriores (pré-vasculares);
      • Posterior;
      • Peritraqueobrônquicas;
      • Paratraqueais;
      • Subcarinal;
      • Dos pedículos;
      • Intrapulmonares;
  • Pleura: é a serosa que envolve o pulmão;
    • Pleura parietal: reveste a parede torácica (pleura costal), o diafragma (pleura diafragmática) e o mediastino (pleura mediastinal);
    • Pleura visceral: intimamente ligada ao pulmão, penetra entre os lobos formando as cissuras;
  • Mediastino: compartimento anatômico situado entre os dois pulmões, limitado anteriormente pelo Esterno, posteriormente pelacoluna vertebral, caudalmente pelo diafragma toraco-abdominal, e cranialmente pelo diafragma cérvico-torácico. Contém elementos anatômicos de fundamental importância e que podem ser reconhecidos na radiografia de tórax. As seguintes estruturas compõem o mediastino e podem ser vistas na radiografia de tórax:
    • Átrio direito;
    • Veia cava superior;
    • Tronco venoso braquiocefálico direito;
    • Artéria subclávia esquerda;
    • Joelho esquerdo da croça da aorta;
    • Tronco da artéria pulmonar;
    • Auriculeta esquerda;
    • Ventrículo esquerdo;
    • Átrio esquerdo;
    • Ventrículo direito;
    • Aorta ascendente;

Vista medial do pulmão direito, mostrando o hilo pulmonar

Complemento

Parênquima: na histologia, corresponde ao conjunto de células que formam o tecido responsável pela função principal do órgão. No caso do pulmão, o parênquima é a região onde ocorrem as trocas gasosas. O parênquima é complementado pelo estroma, tecido este que serve de suporte.

Fisiologia pulmonar

A respiração consiste nas trocas gasosas entre o meio interno e o ar ambiente, que ocorre pela ventilação pulmonar. As células vivas utilizam o Oxigênio em seu metabolismo, e ao final do processo, eliminam gás carbônico como resíduo metabólico. Como o ar atmosférico contém oxigênio em maior pressão do que dentro das células, e com o gás carbônico acontece o inverso, o sentido das trocas de gases no interior do parênquima pulmonar é determinado pela simples diferença de pressão entre estes dois setores. Portanto, a troca gasosa é um processo de difusão simples.

No ser humano, pode-se dizer que há 3 fases na respiração:
  1. Fase pulmonar ou externa (hematose);
  2. Fase sanguínea ou intermediária (transporte);
  3. Fase celular ou interna (metabolismo aeróbico);
Nesta postagem, o foco será a primeira fase. 

No início da ventilação, o ar entra pelas vias aéreas, que destinam-se a conduzir o ar atmosférico até o setor das trocas gasosas; constituem o chamado espaço morto anatômico, visto que não há troca gasosa nesta parte do sistema, com volume aproximado de 150ml. Para que a ventilação ocorra, é necessário drive respiratório, nervos e músculos íntegros, conjunto pulmão-tórax com boa complacência, e brônquios permeáveis.


Ventilação

Por ventilação, entende-se a renovação do ar alveolar. Não deve ser confundida com "respiração", que refere-se às trocas gasosas. Para que a respiração ocorra, é necessário que ocorra primeiramente a ventilação. Para que este processo seja adequado são necessários: estímulo ventilatório, nervos e músculos íntegros, conjunto pulmão-caixa torácica com boa complacência, e brônquios permeáveis.

Diferenças regionais da ventilação e da perfusão

É importante, para o fisioterapeuta, o entendimento de que diferentes áreas do pulmão ventilam de forma diferente, dependendo da posição. Diversas terapias podem ser utilizadas em pacientes hospitalizados, por meio da mudança de posição do corpo, visando priorizar a ventilação de uma certa área do pulmão. 

Na posição ortostática, os alvéolos do ápice do pulmão têm maior diâmetro que os da base. Isto deve-se ao fato de que no ápice a pressão pleural é mais negativa, devido ao peso do pulmão, o que traciona mais as paredes alveolares, abrindo mais os espaços aéreos. Consequentemente, o volume dos alvéolos apicais varia pouco, enquanto que o volume dos basais tem mais ampla variação. 

Da mesma forma, a perfusão pulmonar também não é uniforme, aumentando dos ápices para as bases. No indivíduo em decúbito dorsal, ela é maior na região posterior. Em decúbito lateral, é maior no lado inferior. A pressão arterial e venosa aumentam em direção às bases, enquanto a pressão alveolar permanece a mesma.

Em resumo: os ápices são mais ventilados, e as bases melhor perfundidas.


Relação ventilação/perfusão (V/Q)

Conforme visto na seção anterior,  a relação V/Q não é uniforme em todo o pulmão. Nas bases, a relação V/Q é baixa e as trocas gasosas não são apropriadas. Nos ápices, a relação V/Q é elevada e a hematose é favorecida. Considerando-se o somatório das relações V/Q nas diferentes regiões do pulmão, verifica-se um leve prejuízo das trocas gasosas. Os distúrbios da relação V/Q são a maior causa de hipoxemia nas doenças pulmonares.

Transporte de gases

O O² é transportado no sangue de 2 formas: dissolvido ou combinado com a hemoglobina.

O CO² é transportado no sangue de 3 formas: como íon bicarbonato, em combinação com proteínas formando carbaminocompostos ou dissolvido.

Curva de dissociação da oxihemoglobina


Trocas gasosas

Tanto as trocas gasosas entre os alvéolos e os capilares pulmonares, quanto a troca sangue-tecido, ocorrem por difusão simples, por diferença de pressão parcial dos gases.


Mecânica respiratória

A mecânica respiratória trata de como se realiza a função ventilatória do pulmão. Isto envolve diferentes forças de expansão e retração. A caixa torácica pode ser modificada nos seus diâmetros fundamentais: diâmetro longitudinal, pelos movimentos de elevação e depressão, gerados principalmente pelo diafragma; e o diâmetro ântero-posterior, gerados principalmente pelos músculos intercostais externos. 

A expiração, em situação de repouso, é um processo passivo, ocorrendo pela diferença de pressão entre a caixa torácica e o ar ambiente. Entretanto, no exercício ou na hiperventilação voluntária, os músculos expiratórios passam a ser exigidos: reto abdominal, oblíquos interno e externo, transverso do abdômen. Os intercostais internos e os serráteis anteriores atuam como acessórios neste processo.

Propriedades mecânicas do pulmão

1 - Curva de pressão-volume: as curvas de insuflação e desinsuflação pulmonar não são iguais. A uma mesma pressão, o volume de desinsuflação é maior do que o de insuflação.
Curva pressão-volume pulmonar

2 - Complacência: é a variação de volume pulmonar gerada pela diferença unitária de pressão. 

3 - Tensão superficial;

4 - Resistência das vias aéreas;
   4.1 - Qualidade do fluxo aéreo;
   4.2 - Pressões no fluxo respiratório;
   4.3 - Locais de resistência;
   4.4 - Fatores que influenciam na resistência;
   4.5 - Resistência do tecido;
   4.6 - Trabalho respiratório (WOB);



Volumes e capacidades pulmonares




Volumes

  • Volume corrente (VC): é a quantidade de ar que entra e sai dos pulmões durante um ciclo ventilatório. Determina-se um valor médio de 500 ml, e se subtrairmos o volume que fica no espaço morto anatômico, de 150 ml, teremos o valor de 350 ml de ar renovado a cada ventilação. Porém, estes valores são apenas valores de média, e devemos considerar que, dependendo do tamanho do indivíduo, o mesmo terá valores diferentes;
  • Volume de reserva inspiratório (VRI): é a quantidade máxima de ar que pode entrar nos pulmões após uma inspiração corrente, e em uma inspiração máxima o VRI pode chegar a 3000 ml. Importante reserva durante exercício físico;
  • Volume de reserva expiratório (VRE): é a quantidade de ar que pode sair dos pulmões após uma expiração corrente, e em uma expiração máxima o VRE pode chegar a 1100ml;
  • Volume residual (VR): é a quantidade de ar que permanece no interior dos pulmões, mesmo após uma expiração forçada máxima. O VR é de cerca de 1200ml.

Capacidades

  • Capacidade inspiratória: é a soma do VC e do VRI;
  • Capacidade residual funcional: é a soma do VRE e do VR;
  • Capacidade vital: é a soma do VC, VRI e VRE;
  • Capacidade pulmonar total: é soma de todos os volumes pulmonares. Em condições normais, seu valor médio é de cerca de 5800 ml.

Volumes e capacidades pulmonares


Padrões de ventilação

  • Eupnéia: Respiração normal em repouso;
  • Hiperpnéia: FR aumentada em resposta ao aumento da taxa metabólica;
  • Hiperventilação: ventilação alveolar além das necessidades metabólicas;
  • Hipoventilação: diminuição da ventilação alveolar;
  • Taquipnéia: FR aumentada;
  • Bradipnéia: FR diminuída;
  • Dispnéia: dificuldade de ventilar (falta de ar);
  • Apnéia: parada respiratória.

Sistema respiratório e exercício físico

Durante o exercício físico, ocorre aumento da demanda metabólica pela musculatura, que exigirá mais O² para seu metabolismo e liberará mais CO² para a corrente sanguínea. O sistema respiratório passará a ser mais exigido durante este período, entrando em hiperpnéia. 

A hiperpnéia no exercício físico divide-se em três partes:

  • Fase 1: Aumento rápido em relação ao valor de repouso e curto platô em virtude do impulso do comando central e do influxo proveniente dos músculos hiperativos. Dura cerca de 30 a 50 segundos.
  • Fase 2: A elevação exponencial mais lenta começa cerca de 20 segundos após o início do exercício. O comando central continua, juntamente com a retroalimentação (feedback) proveniente dos músculos hiperativos mais o efeito adicional a curto prazo dos neurônios respiratórios. Dura cerca de 3 a 4 minutos, em média.
  • Fase 3: Os principais mecanismos reguladores alcançam valores estáveis, o influxo adicional proveniente dos quimiorreceptores periféricos proporciona a sintonia delicada da resposta ventilatória.
O exercício físico irá aumentar o débito cardíaco, aumentando a circulação pulmonar e diminuindo o espaço morto. Com isto,a relação V/Q torna-se mais homogênea nos pulmões. A curva de dissociação da oxihemoglobina irá desviar-se para a direita.

Consumo máximo de oxigênio

Também chamado de VO²max, o consumo máximo de oxigênio é um importante marcador da capacidade aeróbica do indivíduo. Representa a capacidade máxima de captar, transportar e metabolizar oxigênio para a biossíntese oxidativa de ATP, nas mitocôndrias.
VO² = Ve . %O²/100

Limiar anaeróbio

Limiar anaeróbio, ou limiar de lactato, é o momento, relacionado à intensidade do esforço físico ou do consumo de oxigênio, em que a produção de ATP é suplementada pela glicólise anaeróbia, com formação de ácido lático. É a intensidade do exercício onde ocorre a transição do sistema aeróbio para o anaeróbio.

Primeiro e segundo limiar de lactato, em relação à carga de exercício

Efeito do treinamento no limiar anaeróbio

Como podemos ver no gráfico abaixo, o treinamento físico sistematizado desviará a curva de produção de lactato para a direita, permitindo ao indivíduo suportar maiores cargas de exercício antes do acúmulo excessivo de lactato.

Curvas de acúmulo de lactato em relação ao VO²max, antes e depois de programa de treinamento físico


Sistema respiratório na ventilação mecânica

O ciclo respiratório o paciente em ventilação mecânica (VM) é dividido em quatro fases (conforme a figura abaixo):
  • Fase 1: Inspiração;
  • Fase 2: Ciclagem (mudança da fase inspiração para a fase de expiração);
  • Fase 3: Expiração;
  • Fase 4: Disparo ou trigger (início da fase inspiratória).

O ciclo respiratório em VM. Fonte: Carvalho (2007)

Para ler um artigo mais completo sobre ventilação mecânica e sua interação com o sistema respiratório, recomendo que você leia este post, onde este assunto é abordado de forma mais aprofundada.

Referências

  • CARVALHO, C. R. R., JUNIOR, C. T., FRANCA, S. A.; III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica; J Bras Pneumol. 2007;33(Supl 2):S 54-S 70;
  • LEVY, Y.; Sistema respiratório e exercícios; acesso online, disponível em: https://www.passeidireto.com/arquivo/30045352/sistema-respiratorio-e-exercicios; acesso em: 30 de Março de 2019;
  • SILVA, L. C. C.; Compêndio de pneumologia; Fundação editorial Byk-Procienx; Março de 1983;

domingo, 17 de março de 2019

Ventilação mecânica invasiva e não invasiva

Fonte: Rare Hystorical Photos
Na imagem acima, vemos o aparelho conhecido como "pulmão de aço", criado em 1950, utilizado largamente no tratamento de pacientes com poliomielite. O pulmão de aço funcionava com pressão negativa, forçando o tórax a expandir, e assim fazendo o ar adentrar os pulmões. Desde então, os ventiladores mecânicos evoluíram muito, passando a trabalhar com pressão positiva, permitindo o controle e monitorização de uma série de variáveis. 


Fonte: Sociedade brasileira de anestesiologia

Definição

A ventilação mecânica (VM) ou, como seria mais adequado chamarmos, o suporte ventilatório, consiste em um método de suporte para o tratamento de pacientes com insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada.

Objetivos

  • Manutenção das trocas gasosas;
  • Correção de hipoxemia e acidose respiratória associada à hipercapnia;
  • Aliviar o trabalho da musculatura respiratória, revertendo ou evitando sua fadiga;
  • Diminuir o consumo de O²;
  • Reduzir o desconforto respiratório;
  • Permitir a aplicação de terapêuticas específicas;

Indicações

  • Reanimação devido a parada cardiorrespiratória;
  • Hipoventilação e apnéia: A elevação na PaCO2 (com acidose respiratória) indica que está ocorrendo hipoventilação alveolar, seja de forma aguda, como em pacientes com lesões no centro respiratório, intoxicação ou abuso de drogas e na embolia pulmonar, ou crônica nos pacientes portadores de doenças com limitação crônica ao fluxo aéreo em fase de agudização e na obesidade mórbida;
  • Insuficiência respiratória devido a doença pulmonar intrínseca e hipoxemia. Diminuição da PaO2resultado das alterações da ventilação/perfusão (até sua expressão mais grave, o shuntintrapulmonar). A concentração de hemoglobina (Hb), o débito cardíaco (DC), o conteúdo arterial de oxigênio (CaO2) e as variações do pH sangüíneo são alguns fatores que devem ser considerados quando se avalia o estado de oxigenação arterial e sua influência na oxigenação tecidual;
  • Falência mecânica do aparelho respiratório:
    • Fraqueza muscular, doenças neuromusculares, paralisia;
    • Comando respiratório instável (traumatismo craniano, acidente vascular cerebral, intoxicação exógena, abuso de drogas);
  • Prevenção de complicações respiratórias:
    • Restabelecimento no pós-operatório de cirurgia de abdome superior, torácica de grande porte, deformidade torácica, obesidade mórbida;
    • Parede torácica instável;
  • Redução do trabalho muscular respiratório e fadiga muscular. Um aumento no volume minuto através da elevação da f, com conseqüente diminuição no VT, é o mecanismo de adaptação transitório que se não for revertido levará à fadiga muscular devido ao aumento da demanda metabólica, aumento da resistência e/ou diminuição da complacência do sistema respiratório, fatores obstrutivos intrabrônquicos, restrição pulmonar, alteração na parede torácica, elevação da pressão intraabdominal, dor, distúrbios neuromusculares e aumento do espaço morto.

Fonte: Carvalho (2007)


Efeito shunt e espaço morto

  • Um shunt pulmonar é uma condição fisiológica que resulta quando os alvéolos do pulmão são perfundidos normalmente com sangue, mas a ventilação falha em suprir a região perfundida;
  • Espaço morto: é o inverso, quando há suprimento ventilatório, mas não há perfusão sanguínea. Pode ser subdividido em:
    • Espaço morto anatômico: Volume de Ar que não participa das trocas gasosas. Corresponde a vias aéreas traqueais e brônquios não respiratorios. é o gás contido nas zonas de condução do sistema respiratório, como a boca e a traquéia. Geralmente é cerca de 150 mL. Denomina-se espaço morto anatômico, pois esta é uma situação normal e verdadeiramente fisiológica no sentido literal da palavra;
    • Espaço morto fisiológico: é igual ao espaço morto anatômico somado ao espaço morto alveolar. Temos a concepção do espaço morto fisiológico em condições patológicas, ou seja quando houver uma destruição ou alteração das estruturas funcionais que permitem as trocas gasosas na distância após o espaço morto anatômico até os alvéolos, ou seja no espaço da via aérea onde ocorrem trocas gasosas (hematose). O Enfisema é um exemplo de condição patológica que leva ao aumento do espaço morto, desta forma se forma o espaço morto fisiológico. 

Classificação

  • Ventilação mecânica invasiva;
  • Ventilação mecânica não invasiva;
Em ambas as modalidades, a ventilação é obtida por meio de aplicação de pressão positiva nas vias aéreas. A diferença é a interface. Na ventilação invasiva utiliza-se uma prótese introduzida na via aérea, um tubo orotraqueal ou nasotraqueal (este é menos comum), ou ainda, uma cânula de traqueostomia. Na ventilação não invasiva, utiliza-se uma máscara como interface entre o paciente e o ventilador artificial.

Ciclo respiratório

Fonte: Carvalho (2007)

  • Fase 1: Inspiração;
  • Fase 2: Mudança de fase inspiratória para expiratória (ciclagem);
  • Fase 3: Expiração;
  • Fase 4: Mudança de fase expiratória para inspiratória (disparo ou trigger).

Curvas de pressão

Fonte: Carvalho (2007)

Durante a ventilação espontânea, na inspiração, devido à contração da musculatura respiratória, ocorre uma queda da pressão nos alvéolos/vias aéreas para que seja gerado o fluxo inspiratório. Na ventilação assistida e em modos espontâneos como a Pressão de Suporte, a contração da musculatura vai depender da demanda metabólica do paciente (controle neural – drive), vai proporcionar a queda de pressão no circuito e, de acordo com a sensibilidade ajustada, promover a abertura da válvula (disparo) gerando um pico de fluxo inspiratório, aumentando progressivamente a pressão no sistema respiratório do paciente. Na expiração, ao contrário, como a pressão no sistema está elevada, a abertura da válvula expiratória promoverá a saída passiva do VT.

Fonte: Carvalho (2007)

Curvas de fluxo

Na figura abaixo, é apresentado o exemplo de uma onda de fluxo quadrada (fluxo constante) no modo volume controlado. Apresenta-se, ainda, a característica da onda de fluxo na ventilação espontânea sem o uso de suporte ventilatório.
Fonte: Carvalho (2007)

A forma da onda de fluxo pode ser modificada no ventilador diretamente ou indiretamente conforme o modo ventilatório escolhido. Abaixo, alguns exemplos de curva de fluxo.

Fonte: Carvalho (2007)

Curvas de fluxo, pressão e volume em função do tempo

Individualmente, as curvas de fluxo, pressão e volume são importantes, porém podemos utilizar e completar melhor as curvas quando estão associadas. Na figura abaixo, são mostradas as três formas de curvas em associação, durante a ventilação controlada, assistida e espontânea.

Clique na imagem para ver em tamanho maior. Fonte: Carvalho (2007)


Modalidades convencionais

  • Ventilação controlada (CMV);
    • Indicada para pacientes que não tem drive respiratório: traumatismo raquimedular, depressão do sistema nervoso central (SNC) por drogas, bloqueio neuromuscular; apnéia por disfunção ou depressão do SNC, instabilidade torácica, baixos níveis de PaCO², traumatismo cranioencefálico, reduzir consumo de O² pelos músculos.
  • Ventilação assistido-controlada (A/CMV);
    • No modo assistido-controlado, o ventilador “percebe” o esforço inspiratório do paciente e “responde” oferecendo um volume corrente determinado.
  • Ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV);
    • O ventilador oferece ciclos mandatórios, porém permite que ciclos espontâneos ocorram entre eles. 
  • CPAP;
    • O ventilador disponibiliza apenas ciclos espontâneos;
    • O modo CPAP é caracterizado pela manutenção de pressão positiva constante nas vias aéreas;
  • Pressão de suporte (PSV);
    • Suporte ventilatório parcial;
    • Ciclada a fluxo;
    • Pressão inspiratória constante;
    • O tempo inspiratório e a frequência respiratória dependem do paciente;
    • Fluxo respiratório e volume corrente dependem da interação paciente-ventilador;
    • Método para desmame

Mais informações, assista ao vídeo:



Resumo do vídeo: 

Modos ventilatórios

Controlado
Assistido
Espontâneo
Disparo
Ventilador mecânico
Paciente
Paciente
Limite
Ventilador mecânico
Ventilador mecânico
Ventilador mecânico
Ciclagem
Ventilador mecânico
Ventilador mecânico
Paciente

Modalidades ventilatórias
Modalidade
Modo
Disparo
Limite
Ciclagem
VCV
Controlado
Tempo
Fluxo
Volume
Assistido
Pressão, fluxo
Fluxo
Volume
PCV
Controlado
Tempo
Pressão
Tempo
Assistido
Pressão, fluxo
Pressão
Tempo
PSV
Espontâneo
Pressão, fluxo
Pressão
Fluxo


  • VCV: Ventilação com volume controlado;
  • PCV: Ventilação com pressão controlada;
  • PSV: Ventilação com suporte de pressão.

Tubo endotraqueal



Qual a função do Cuff?

No tubo endotraqueal, como o da imagem acima, e também na cânula de traqueostomia, existe um balonete chamado de "cuff", que é inflado após a intubação e desinflado antes da extubação. Ele tem como função principal a vedação da via aérea, impedindo que o ar passe ao redor do tubo. Também é importante para a estabilização do tubo, impedindo que ele se movimente e machuque o paciente. O cuff também pode servir, em alguns casos, para evitar que secreções como a saliva desçam até o pulmão do paciente, acumulando-se ao redor do tubo.

Parâmetros e ajustes iniciais na VMI

Parâmetro
Ajuste Inicial
Modo ventilatório
Volume controlado
PEEP
5 cmH²O
FiO2
100%
Volume minuto
8 a 10 L/min
Frequência respiratória
12 a 14
Volume corrente
8 a 10 ml/kg peso ideal
Fluxo inspiratório
40 a 60 L/min
Onda de fluxo
Desacelerada
Relação I:E
1:2
Sensibilidade
-2cmH²O ou 1 a 5 L/min


PEEP

Do inglês, Positive End Expiratory Pressure (pressão positiva no final da expiração). É obtida mantendo-se uma pressão residual durante a fase expiratória.

Efeitos pulmonares:
  • Aumento da capacidade residual funcional;
  • Redistribuição do líquido extravascular alveolar;
  • Alteração do volume de fechamento;
  • Recrutamento alveolar.
Efeitos cardiovasculares:
  • Diminuição do débito cardíaco;
  • Aumento da pressão intratorácica;
  • Diminuição do retorno venoso;
  • Diminuição da pré-carga dos ventrículos;
  • Disfunção do ventrículo direito;
  • Disfunção biventricular;
  • Diminuição do volume sistólico do ventrículo esquerdo;
  • Diminuição da pressão sistólica.
Indicações:
  • Pacientes que necessitam FiO² > 0,5 para manter PO² adequada;
  • Shunt intrapulmonar;
  • Redução da capacidade residual funcional;
  • Intubação.
A PEEP fisiológica é de 3 a 5 cmH²O.

Ajuste de parâmetros



Ventilação mecânica não invasiva (VNI)

Fonte: CRUZ, 2013

CPAP: Do inglês Continuous Positive Airway Pressure (pressão positiva constante nas vias aéreas), ventilação espontânea. Indicações:
  • Edema agudo de pulmão cardiogênico;
  • Pós operatório de cirurgia abdominal;
  • Apnéia do sono leve ou moderada.
BILEVEL (ou BPAP): dois níveis de pressão (um nível inspiratório: IPAP, e um nível expiratório: EPAP), ciclagem a fluxo. Indicações:
  • Hipercapnias agudas;
  • Descanso da musculatura respiratória;
  • Edema agudo depulmão cardiogênico;
  • Infecções de imunossuprimidos.
Contraindicações absolutas à VNI (sempre evitar):

  • Necessidade de intubação de emergência;
  • Parada cardiorrespirtória;
Contraindicações relativas à VNI (analisar risco X benefício, caso a caso):
  • Incapacidade de cooperar, proteger as vias aéreas, ou secreções abundantes;
  • Rebaixamento de nível de consciência;
  • Falências orgânicas não respiratórias (encafalopatias, arritmias malignas, ou hemorragias digestivas graves com instabilidade hemodinâmica);
  • Cirurgia facial ou neurológica;
  • Trauma ou deformidade facial;
  • Alto risco de aspiração;
  • Vias aéreas superiores obstruidas;
  • Anastomose de esôfago recente.

Interfaces mais utilizadas na prática clínica. A: Máscara orofacial; B: Máscara nasal; C: Máscara total (full face). Fonte: http://www.healthcare.philips.com


VNI no desmame da ventilação mecânica

Fatores de risco para falência respiratória:
  • Hipercapnia após extubação (>45mmHg);
  • Insuficiência cardíaca;
  • Tosse ineficaz;
  • Secreção traqueobrônquica excessiva;
  • Mais de uma falência consecutiva no desmame;
  • Vias aéreas superiores obstruídas;
  • Idade maior que 65 anos;
  • Falência cardíaca como causa da intubação;
  • APACHE > 12 no dia da extubação;
  • Pacientes com mais de 72h de ventilação mecânica.


Critérios de falência no desmame da VNI


Cuidados com a interface da VNI (prevenção de lesões na pele):
  • Rodízio com outros tipos de interface;
  • Ajuste adequado;
  • Higiene da pele e máscara;
  • Protetor nasal;
  • Almofada para apoio da testa;
  • Almofada entre a máscara e o rosto do paciente;
  • Barreira com fita protetora.
Considerações para seleção do ventilador de VNI:
  • Compensação de vazamentos;
  • Disparo e ciclo sincronizados com o padrão respiratório do paciente;
  • Reinalação;
  • FiO² (cuidado agudo);
  • Monitoramento;
  • Alarmes;
  • Portabilidade (tamanho, peso, bateria);
  • Bloqueio de ajustes;
  • Custo.

Referências

  • BARBAS, C. S. V., ÍSOLA, A. M., FARIAS, A. M. C.; Diretrizes brasileiras de ventilação mecânica - 2013; Associação de medicina intensiva brasileira; Versão eletrônica oficial; disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/237544/mod_resource/content/1/Consenso%20VM%202013.pdf; acesso em: 16 de Março de 2019;
  • BARRETO, M. S. S., VIEIRA S.S., PINHEIRO, C.T.S.; Introdução a Ventilação Mecânica. In: Rotinas em Terapia Intensiva. 3ed. Porto Alegre: Artmed; 2001.
  • CARVALHO, C. R. R., JUNIOR, C. T., FRANCA, S. A.; III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica; J Bras Pneumol. 2007;33(Supl 2):S 54-S 70;
  • CARVALHO, C. R. R., JUNIOR, C. T., FRANCA, S. A.; Ventilação mecânica: princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias; J. bras. pneumol. vol.33 suppl.2 São Paulo July 2007;
  • CRUZ, M. R., ZAMORA, V. E. C.; Ventilação mecânica não invasivaVol. 12, N.  3, Jul/Set 2013;
  • DIAS, P. F. F.; Fisiopatologia respiratória; disponível em: http://www.sogab.com.br/fisiopatologiarespiratoria.pdf; acesso em: 17 de Março de 2019;
  • FERREYRA, G., FANELLI, V., DEL SORBO, L., RANIERI, V. M.; Are guidelines for non-invasive ventilation during weaning still valid?Minerva Anestesiol. 2011 Sep;77(9):921-6;
  • HESS, D. R.; The growing role of noninvasive ventilation in patients requiring prolonged mechanical ventilation; Respir Care 2012;57(6);